sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Amor e oração

Oração como dever
           Eu gostaria de falar contigo sobre minha oração, Senhor. Sabes… às vezes me parece que dás muito pouca atenção ao que tenho para Te dizer nas minhas preces. Escuta-me agora, por favor.
De fato, Senhor Deus, não fico surpreso  por minhas preces não chegarem a Ti. Afinal, muitas vezes eu mesmo deixo de prestar atenção no que estou rezando. Quase sempre considero minha oração só como um trabalho a executar, um dever a ser cumprido. Quando tiro esse dever do caminho posso então relaxar, satisfeito por ter-me desincumbido dele. Quando estou a rezar, estou “de serviço” – como dizem os militares – em vez de estar contigo.
Sim, esta é com frequência minha oração. Admito. E, contudo, meu Deus, acho difícil ficar arrependido por rezar assim tão pobremente. Afinal, como pode um homem, mero mortal, alimentar a esperança de falar contigo? Tu és tão distante e misterioso… Quando rezo, tenho a impressão que minhas palavras desaparecem num poço profundo e escuro, do qual nenhum eco retorna para me assegurar que elas atingiram o fundo do Teu coração.

Rezar sem escutar resposta

Senhor, rezar toda minha vida sem escutar uma resposta… Será que isto não é pedir muito? Sabes como corro com frequência para longe de Ti, para falar com homens que me deem respostas, para me ocupar de coisas que me sugiram respostas. Sabes, pois, o quanto eu preciso ser respondido. Entretanto, minhas preces nunca recebem uma palavra sequer de réplica… Ou devo entender que esta ou aquela emoção ou sentimento que me advém quando rezo, que a luz ocasional de algo que compreendi em meditação, é Tua palavra, Teu esclarecimento? Acho isso difícil de acreditar. Cada vez que algo assim me acontece, encontro só a mim mesmo naquelas emoções, sentimentos e iluminações… Apenas o eco vazio do meu próprio grito… Quando é a Tua palavra, é a Ti que quero ouvir e não a mim mesmo.

Meu "eu" e oração 

Sei que é da essência da oração esquecer a mim mesmo – deixar de tentar construir o meu “eu” segundo minha vontade – para que Tu possas, pouco a pouco, revelar quem verdadeiramente sou, quem Tu sempre quiseste que eu fosse. Mas como posso fazer isso se Tu permaneces tão distante e em silêncio? Por que me mandas falar contigo quando não prestas nenhuma atenção em mim? Não é Teu silêncio um sinal de que não me escutas?
Fala senhor: teu servo te escuta 

Ou… Será que me ouves atentamente, que me escutas durante toda minha vida até que eu tenha Te contado tudo, até que eu tenha esgotado tudo o que poderia dizer sobre mim mesmo para Ti? Será que permaneces em silêncio precisamente porque esperas, com infinita paciência, que eu tenha terminado de falar para que, então, possas dirigir Tua palavra a mim? Será que estás em silêncio esperando o fim do meu monólogo, para então falares Tuas palavras de vida eterna, palavras que revelarão a Ti nas profundezas do meu coração?
É Teu silêncio quando rezo um discurso cheio de infinita promessa, inimaginavelmente mais significativo do que qualquer palavra audível que pudesses dirigir ao entendimento limitado do meu estreito coração, palavra que teria, então, que se tornar tão pequena e pobre quanto eu? É Te possuir eternamente Tua eterna resposta às minhas preces?
Acho que é isso, Senhor. Mas, se essa é a Tua resposta à minha queixa, então tenho uma outra objeção a Te fazer e, esta, vem de um coração ainda mais angustiado do que aquele que reclama do Teu silêncio, ó meu Deus tão distante.
Sem forças para rezar 
          
Se a minha vida é para ser ela mesma uma oração e se oração é viver humildemente na Tua presença, então preciso poder depositar toda minha vida, eu todo, diante de Ti. Mas isso, Senhor, está totalmente além das minhas forças.
Quando rezo, se estou rezando “bem”, concentrado por alguns instantes, meus pensamentos e intenções desempenham obedientemente seu papel. Mas… Não sou eu mesmo que devo me oferecer para Ti em oração? Se assim é, eu não deveria rezar apenas em palavras, pensamentos ou intenções mas, sim, entregar-me todo a Ti na minha oração. Contudo, minha vontade é muito fraca para penetrar na profundeza do meu coração onde reside meu verdadeiro “eu” e dali arrancá-lo para o entregar a Ti.
Amar...

Quão pouco poder tenho sobre mim mesmo, ó Senhor!… Será que Te amo de verdade quando quero Te amar? Sei que amar é um completo esvaziar-se de si mesmo… É isso que quero dizer quando digo: “Senhor, quero Te amar?” Tenho eu o poder de esvaziar a mim mesmo? Será que posso Te amar de verdade, Senhor?
Como me render ao toque da Tua mão? Como fazer a entrega absoluta do meu coração desde suas raízes mais profundas? Quedo-me diante de Ti, Senhor, fraco e desamparado diante do mistério de mim mesmo, um mistério que jaz em profundezas para além do alcance da minha vontade.
Sangrar interior em oração

Sei, Senhor Deus, que minha oração não precisa ser entusiástica ou estática para conseguir me colocar sob Teu poder e à Tua disposição, de tal forma que nada de mim Te seja negado. Sei que oração pode ser verdadeira oração, mesmo quando não traz consigo sentimentos de paz e júbilo.  Minha oração, Senhor, é um lento sangrar interior provocado pela dor e pelo pesar de não conseguir me abandonar nos Teus braços, tal como anseio desde o momento que me criaste.
Seria tão bom se eu pudesse Te dar em oração a única coisa que Tu queres: não meus pensamentos, sentimentos, intenções e resoluções, mas a mim mesmo. Mas isso é precisamente o que sou incapaz de fazer, porque na superficialidade da rotina ordinária onde minha vida se desenrola, sou um estranho até para mim mesmo. Como posso me dar para Ti, quando ainda não pude encontrar a mim mesmo?
Fuga e oração 

Tem misericórdia de mim, meu Deus! Quando fujo da oração, não é porque quero fugir de Ti mas, sim, de mim mesmo e da minha própria superficialidade. Não quero fugir da Tua Infinitude e Santidade, mas dos espaços vazios da minha própria alma. Toda vez que tento rezar estou condenado a vagar na aridez do meu próprio deserto interior. Não consigo encontrar o caminho para o santuário do meu verdadeiro eu, o único lugar onde Tu podes ser encontrado e adorado.
Senhor, o lugar onde vives em mim está fechado para mim. Encho, pois, a praça em frente à Tua catedral em minha alma com distrações e ocupações mundanas.  Não entende Tua misericórdia, Senhor, que o ruído vazio dessas distrações é mais doce que a severa e assustadora quietude que me assalta quando tento rezar? Esse silêncio amedrontador é o único resultado dos meus fúteis esforços de oração. Infelizmente, quando fecho as janelas da alma para os barulhos do mundo, permaneço ainda desesperançadamente surdo ao eloqüente som do Teu silêncio.
Oração e graça

O que devo fazer? Tu me mandaste rezar… Como posso acreditar que me mandaste fazer algo impossível? Creio, Senhor, que se me deste a ordem de rezar, também me darás a graça de executá-la. E já que isso é assim, a oração que Tu requeres de mim só pode ser um paciente esperar por Ti, uma silenciosa prontidão até que Tu, que estás sempre presente no mais íntimo do meu ser, abras os portões do meu santuário interior onde vives. Só assim, em Ti, por Ti e contigo poderei encontrar a mim mesmo. E, ali, no santuário da minha alma poderei me entregar, finalmente e totalmente, a Ti.
Ajuda-me a estar sempre pronto, à espera, para que quando abras, pelo lado de dentro, a porta do meu santuário interior – e talvez Tu o faças muito quieta e desapercebidamente – eu não esteja demasiadamente obcecado com os assuntos deste mundo. Só então, com mãos trêmulas, poderei devolver minha vida e a mim mesmo para Ti numa oferta de amor.
Oração e o barulho do mundo
          
Por enquanto, já que não sei quando minha hora chegará, tenho apenas que esperar na praça diante do santuário onde habitas no fundo da minha alma. Devo esvaziar essa praça de todo o barulho do mundo e, quietamente, suportar, com Tua graça e na pura fé, o amargo silêncio e desolação que se seguirá.

Oração em espera
          
Esse, pois, é o sentido ultimo das minhas orações diárias: esse sofrido esperar. Não é o que eu sinto ou penso enquanto oro, nem as resoluções que faço, nem qualquer atividade superficial da minha mente e da minha vontade que Tu achas agradável na minha oração. Em tudo isso estou cumprindo uma ordem Tua pela força da Tua graça. Tudo isso é apenas um “limpar o terreno” para que a alma esteja pronta para aquele precioso momento quando Tu lhe ofereces a possibilidade de perder a si mesma ao Te encontrar, de rezar a  si mesma em Ti.
Dá-me, ó Deus da minha oração, a graça de continuar a esperar por Ti em oração.
Agora, deixa-me Te dizer, ó Senhor, que comecei a entender que, ao contrário do que normalmente imagino, não sou eu quem toma a iniciativa de me aproximar de Ti pela oração. És Tu que me chamas e Te aproximas de mim.
Oração e distância
Perdoa-me por não me dar conta de que a primeira coisa que eu deveria fazer quando me disponho a rezar é reconhecer a distância que me separa de Ti. Sei que preciso começar a rezar parando, por assim dizer, aquele movimento interior que me afasta de Ti e me leva para o buliço do mundo, para, então, voltar-me para Ti. A oração é, antes de qualquer coisa, essa "conversão". Infeliz de mim, meu Deus de infinita misericórdia, que quase sempre começo a rezar como se fosse a coisa mais natural do mundo, como se Tu estivesses ali à minha disposição, para me ouvir, para me responder e para atender meus desejos! Esqueço com facilidade minha miséria e a distância que me separa de Ti, Senhor.
Como posso me atrever a Te receber no meu santuário interior sem, primeiro, reconhecer a distância que meus pecados criam entre Tu e eu? Sem me arrepender? Perdoa meus pecados Senhor. Com toda a humildade, assim como o filho pródigo que aceita qualquer graça que o Pai possa lhe dar, dá-me a graça da oração como um presente que não mereço. Deixa-me sentir no fundo da alma a dor por ter Te magoado. E, depois, só depois, ilumina minha alma com o fogo da Tua graça.
Oração e camaradagem com Deus
Sei que a oração é esse estar constantemente diante de Ti, meu Deus, numa espécie de camaradagem sem obstáculos. Quero Te escutar e Te seguir, apesar de todas minhas  limitações, apesar de todos os entraves impostos pela minha pecadora natureza humana. Senhor, faz com que minha oração seja um ato de profunda e fundamental prontidão. Que essa prontidão seja o fundamento de todos os diálogos particulares e orações que eu Te dirija. Que essa prontidão me acompanhe durante todos os dias e que possa, às vezes, se condensar num Pai Nosso ou numa Ave Maria. Recebe, por favor, esses ainda que distraídos Pai Nossos e Ave Marias, como minha pobre maneira de dizer que em mim, naquele momento, não há espaço para mais nada a não ser a intenção de Te escutar, de reconhecer Tua  presença.
Oração e proximidade com Deus
Em cada uma de minhas orações sinceras crias em mim, ó meu Senhor e meu Deus, uma espécie de proximidade diferente e nova contigo. E através dessa proximidade sinto que vou sendo refeito. Isso não significa que eu Te sinta física ou emocionalmente mais perto. Não é isso, não. É uma proximidade da qual nem me apercebo. Mas, o que importa, é que sei que Tu a percebes e a desejas.
Uma das maneiras pelas quais sei que estás Te aproximando de mim, que estás penetrando um pouco mais na minha intimidade, é quando começo a ficar com  vontade de ler um pouco mais um pedacinho da Bíblia, uma obra inspirada dum Santo, ou algum comentário sobre Teu mistério. De repente, vejo-me buscando uma maior proximidade contigo, quase que  naturalmente, como que empurrado por uma espécie de movimento interior da alma que não entendo muito bem, mas que acontece na prática.
Atitude de oração
É estranho Senhor, mas outra coisa que também acontece, que acho que é ao mesmo tempo sintoma e conseqüência dessa proximidade, é que assumo gradualmente uma atitude contínua de oração. Fico preocupado, consciente ou inconsciente, se estou Te agradando com aquilo que estou fazendo ou pensando. Mesmo que tal preocupação não venha à minha consciência no dia-a-dia e no lufa-lufa das atividades rotineiras, dou-me conta que, lá no fundo, estou atento à possibilidade de Te deixar triste. Estou atento à Tua presença. Que graça maravilhosa, Deus de infinita paciência, é esta que me ensinas com tanta doçura: a de Te respeitar no meio da labuta diária, a de estar numa atitude contínua de oração.
Essa atitude contínua de oração não precisa de palavras. Não esperas, Senhor Jesus, que ela se expresse num Pai Nosso ou numa Ave Maria. Esperas, mas só que eu esteja atento para aquilo que o Pai quer e deseja, assim como Tu estavas sempre atento àquilo que o Teu Pai, o nosso Pai  queria e desejava. Nessa atitude contínua de oração queres também que eu expresse uma outra atitude: uma atitude de obediência. Sim, Senhor, quero obedecer à vontade do Pai!
Devolver a vida em oração
Ah! Meu Deus! Dá-me força para que eu possa colocar toda minha vida à disposição de Ti, para que eu possa Te devolver sem reservas esta vida que me deste. Sei que, para tanto, preciso Te entregar não só o que sinto ou o que penso, mas, acima de tudo, meu querer. Quero, Senhor, ter a vontade e a disciplina para estabelecer uma rotina de oração na minha vida.
Ajuda-me para que minha oração seja um ato de verdadeira disponibilidade para Ti. Quero colocar-me diante de Ti, meu Deus, à Tua disposição. Quero, antes de tudo, que Tua vontade seja feita. Senhor, por favor, usa-me, sou teu servo!
Oração e servitude
Esta palavra: “servo”, bem como a experiência da servidão, são realidades que o homem moderno, que sou, rejeita. Tu sabes disso, meu Deus. O homem de hoje quer ser “livre”. E, ser livre, significa fazer aquilo que ele “tem vontade”. Aquilo que ele “se sente bem fazendo”. Perdi a noção do que é “ser servo”. Tenho enorme dificuldade em viver minha condição de servo Teu, ó Senhor! Sei bem por quê: a condição de servo se expressa numa atitude de obediência à Tua vontade e não à minha, à vontade de outro que não eu. Como é difícil abrir mão da minha vontade, Jesus!
Oração e transparência
Entretanto, quantas vezes, por obra de Tua infinita paciência e misericórdia, passei por experiências que me mostraram claramente que quando não busco contentar ou satisfazer o meu “eu”, Tu brilhas através de mim para os outros. Quando tiro o meu “eu” da frente, toda a minha vida, a minha existência, o meu corpo, a minha psique e o meu espírito, transformam-se numa espécie de vidro transparente através do qual Tua Luz brilha para o mundo e para os outros. Que pacífica alegria me inunda quando isso acontece!
Quão maravilhosa é essa transparência, meu Deus! Ela não é uma transparência inativa, passiva, como a de um vidro. É uma transparência ativa que obriga a quem olha através desse vidro – em que eu, pouco a pouco, pela Tua graça, vou me transformando – a Te ver outra vez, a entrar em contato contigo. Quando olho para Ti, meu Jesus, não posso deixar de ver aquela transparência ativa que me permite, que me obriga a enxergar ao Pai, a ver o Pai, a chegar perto do Pai, a entrar em contato com o Pai e, então, como Tu, só querer o que o Pai quer; e, então, como Tu, viver em atitude permanente de oração. Quando rezo contigo, para Ti e em Ti, Jesus, sou obrigado a mergulhar na oração que é a Tua oração ao Pai: “Pai, seja feita a Tua vontade e não a minha”.

O amor humano em oração
Tu me ensinaste, ó meu Jesus, que o amor humano, quando genuíno, é despojado. Não é centrado no meu “eu”. Tu me ensinaste que o amor humano verdadeiro espelha o amor de Deus. O amor humano aponta para Deus, leva a Deus de uma forma inesperada, para além das paixões e sentimentos fortes que provoca.
Sim, meu Deus! Também essa lição me ensinaste quando permitiste que eu, de repente, encontrasse numa pessoa à minha frente aquela transparência que me abriu um caminho para Ti, sem que ela mesma suspeitasse. Na maneira abnegada – abnegare significa negar a si mesmo – como ela se deu para mim, esquecendo-se de si mesma, ela me revelou, assim como num breve  lampejo, um pouco da relação que Tu tinhas com ela. Ou, talvez, simplesmente através da sua natureza, da sua maneira de ser, senti-me impelido a dirigir meu coração e minha mente para Ti, sem saber mesmo por quê. Obrigado, Senhor, por teres me permitido experimentar a bondade e a generosidade gratuita de tantas pessoas e, por elas, teres me colocado outra vez em atitude de oração.
Aprendi contigo que quando existe o amor verdadeiro, esse amor muitas vezes não precisa de palavras. Tudo o que tinha que ser dito já foi dito. O amor verdadeiro é sempre tão simples que não requer muitas palavras para ser expresso. O mero estar com a pessoa que amamos se transforma em oração: em entrega do meu “eu” para ela e, ao mesmo tempo, em agradecimento a Ti por teres me visitado através de quem me deste para amar. Só tu, meu Jesus, podes fazer com que a vida junto à pessoa amada se transforme num caminho para Ti, numa  maneira de estar contigo, de falar contigo, de renovar minha entrega a Ti. Com ou sem palavras. Numa oração do ser. Do “ser juntos”.
Permita que eu Te ame de verdade, meu Deus. Que minha vontade de estar permanentemente na Tua presença abra as portas da oração para aqueles que amo e que virei a amar, por obra de Tua graça. Assim como um bom músico abre o universo da música com uma só nota, que eu seja esta nota de amor a Ti e que, por ela, o céu seja aberto para todos os homens de boa vontade através do meu testemunho de submissão simples e diuturna à Tua vontade.
Do matrimônio e oração
No meu matrimônio e na vida de outros casais unidos pelo mesmo sacramento, Jesus, permitiste que eu experimentasse por analogia o amor divino. Mostras-me, sem cessar, que onde o amor conjugal é cultivado de acordo com a vontade do Pai, pela auto-entrega, pela entrega descomprometida, pela entrega generosa de um para o outro e dos dois a Ti, esse amor se transforma numa atitude de oração.
Na minha esposa presencio, por Tua graça, Senhor, o magnífico mistério da mulher. Ela me contou, nos quarenta anos que passei a seu lado, que Tu abençoaste a mulher com uma disponibilidade inata de se dar para além de si mesma. É parte do mistério da mulher esse transcender a si mesma, o transcender do seu “eu”. A mulher personifica e corporifica o amor que é receptivo.
Meu Jesus! Pobre de mim que, como homem, deveria representar o amor que não calcula, que não está preocupado com nenhum tipo de ganho ou perda! Pobre de mim que, por tanta vezes, recusei-me a oferecer o verdadeiro amor masculino, aquele que se inclina, que se debruça, que deveria dar prodigamente de si mesmo! Quantas vezes, no meu egoísmo e na minha vaidade, deixei de corporificar e personificar a generosa entrega de mim mesmo que minha mulher sempre ansiou por abraçar!
Sustenta meu amor masculino, ó Senhor! Que eu possa vivê-lo autenticamente, para que ele reflita a incomensurável prodigalidade da entrega do Teu Corpo na Eucaristia. Criaste a natureza humana feminina para que ela pudesse Te receber, receber este Alguém que, de uma forma superabundante e irrestrita, muito além do que eu possa imaginar, se entrega completamente para mim.
Oração e reação pessoal com Deus
Meu Deus, uma das coisas que me esqueço amíude nas minhas orações é que tens uma vontade, um plano, para mim. Parece até que não acredito que possas estar preocupado comigo. Às vezes, acho que Te relacionas com a Humanidade, um ente coletivo abstrato. E, não é assim. Sei que Te relacionas com cada um nós e, nessa relação com cada um, Te  relacionas com todos. Esse é um grande mistério, Senhor. Não consigo entendê-lo em minha finitude.
Queres só o melhor para mim, Senhor. Eu sei. E o melhor para mim é viver contigo a vida para a qual me criaste. Como posso me recusar a aceitar Tua vontade? Caso eu não aceite o que reservaste para mim, estaria Te dizendo que quero ser o deus de mim mesmo, que quero construir a mim mesmo através da minha própria vontade, que quero construir a pessoa que tenho vontade de ser e não aquela pessoa que Tu queres que eu seja.
Só aceitando Tua vontade, em obediência, em serviço, é que posso estar em oração. Usa, Senhor, a minha entrega e a minha disponibilidade como um canal de graças para pessoas que necessitem ser ajudadas a abrir seus corações para Ti.
Amor e querer em oração
Esqueço-me tão facilmente, meu Deus, que o amor, o querer o outro, tal como devo querer a Ti e como quero as  pessoas que amo, contêm sempre um elemento de confiança. Ajuda-me a lembrar que no anseio amoroso está contido um esperar reverente, um esperar com reverência que o outro livremente se revele para mim, se abra para mim, se manifeste para mim espontaneamente. Ajuda-me a lembrar que essa revelação livre do outro para mim é sempre um dom, um presente incalculável. Ajuda-me a lembrar que na minha oração devo confiar que Te revelarás para mim, não nos meus termos, mas em Teus próprios termos, livremente.
Oração e a surpresa do encontro
Quantas vezes já Te revelaste para mim, Senhor, de uma maneira insuspeita e inesperada e me senti quase elevado ao céu aqui na Terra, ainda que por alguns instantes? Anseio pelo dia em que essa sensação de revelação absoluta e livre, Tua para comigo, acontecerá e perdurará por toda a eternidade. Por enquanto, resta-me querer-Te, amar-Te. E, amar é esperar, esperar com confiança de que, na Tua infinita liberdade, acabes Te dando para mim, revelando-Te para mim de uma maneira total e absoluta.
Num certo sentido, esse esperar desejoso pelo presente que receberei de Ti, recorda-me tempos de criança quando eu sempre esperava que meu pai ou minha mãe me trouxesse alguma coisa boa. “Mãe, trouxeste um presente?” Essa expectativa ansiosa de que algo de bom há de vir, de que o céu se abrirá para mim é típico da criança que, por tua graça e misericórdia, sobrevive em mim, apesar de mim.
Oração e confiança
Não permite, Senhor, que eu perca essa confiança ingênua e ilimitada quando me entrego a Ti em oração. Na tua vida terrena, sempre aceitaste, Jesus, tudo o que o Pai Te oferecia. Nunca Te preocupaste em examinar se aquilo que a vida Te apresentava era algo fácil ou difícil, se conseguias entender ou não. Ao me entregar em oração não quero bancar o adulto julgando tudo por mim mesmo. Como Tu, disponho-me a aceitar tudo o que a vida me traz. Mas, também, como tu, suplico ao Pai que todo o mal e sofrimento que me aflija seja miraculosamente transformado numa fonte de graças para quem mais delas necessite.
Amar e adorar
Ensina-me, Senhor, a Te adorar. Já aprendi que amar é sempre o ato de preferir o outro e não a mim mesmo. Já aprendi que no amor qualquer tentativa de comparação entre o “eu” e o “tu” é ridícula. O amor sempre começa pela preferência que dou a outro que não eu. É uma decisão que tomo: prefiro esse outro. Ao preferir o outro, a realidade do outro se torna visível e é colorida pelo amor. Por isso aprendi a dizer que “quem ama o feio, bonito lhe parece”.
Dá-me a graça, Senhor Jesus, de uma vida de oração que permita que os outros experimentem a Ti através de mim. Que eu possa oferecer a outros a possibilidade de ver refletido em mim um amor por Deus que não se preocupa como Deus é, mas que consiste num simples preferir a Ti, num querer a Ti despojado de toda a preocupação de Te ver, sentir ou entender.
Ao te adorar, eu exerço esse amor que prefere a Ti, que prefere esse outro, completamente outro, que Tu és. Isso é adoração: preferir a Ti, meu Deus, preferir a Ti a qualquer outra realidade deste mundo.
Ao Te adorar, não posso deixar de me sentir atônito e grato. Atônito porque és tão grande e, ainda assim, dá-me forças para buscar Tua presença. Grato por vires ao meu encontro.
Pedir e oração 
Tu bem sabes, meu Deus, que o ato que mais pratico nas minhas orações é o ato de pedir. Ensina-me, por favor, a pedir corretamente. Santa Teresa de Lisieux dizia: “Deus sempre me faz desejar aquilo que ele quer me dar”. Ela tinha um verdadeiro amor por Ti. O amor verdadeiro por Ti se satisfaz, fica contente em aceitar aquilo que preferires dar. Que eu possa me alegrar com seja lá o que for que me deres simplesmente porque isso Te deixará feliz.
Às vezes peço-Te determinadas coisas e recebo o que pedi mas de uma forma diferente. Outras vezes, um determinado pedido que fiz não é aparentemente aceito por Ti e, em seu lugar, advém um enorme sofrimento. Dá-me força para que, nesses momentos, eu livremente aceite o que a vida me trouxer, confiando que Tu, de alguma forma, transformarás essa circunstância indesejada num canal de graças para mim e para outros.
Ampara, Senhor, minha decisão de levar uma vida de oração. Para rezar preciso tomar a decisão de me colocar diante de Ti, de viver na Tua presença, de querer Te contemplar, de me abrir para Ti e de Te pedir algo. Ajuda-me a não esquecer que esta decisão que tomo é sempre, contudo, uma resposta à Tua decisão: à Tua decisão de se deixar adorar, de se deixar contemplar, de se revelar para mim, de estar disponível para mim e de atender meus pedidos. Se essa Tua decisão não existisse, eu não poderia tomar a decisão de querer viver na Tua presença. Eu não poderia rezar, simplesmente.
A oração de Maria
Tua Mãe, Jesus, personifica a verdadeira atitude de oração. Para Ela, a oração é o seu estado natural de ser. Quando o Anjo aparece, Ela sintetiza toda sua disponibilidade de oração no seu “fiat mihi”: “Seja feita a Tua vontade. Que se faça em mim aquilo que Tu queres.” Mãe Santíssima, Medianeira de todas as graças, sustenta meus braços quando tento desajeitadamente fazer minha a tua oração. Que o desejo que tenho de ficar todos os dias, e em todo o lugar, diante de Teu Filho na tua atitude de oração seja a prece que levarás por mim a Ele.
Oração estruturada
Sei, Senhor, que meu dia é cheio de distrações. Gostaria de adquirir o hábito de, ao levantar, colocar-me na Tua presença e pedir que transformes todas minhas intenções e ações do dia numa oração. E, à noite, antes de deitar, gostaria de adquirir o hábito de Te agradecer por não me teres abandonado naquele dia.
Mas, pobre de mim, ó Jesus! Tu me dizes que isso só não basta. Que preciso criar um tempo de oração para além desses dois momentos do dia. Que preciso ter uma oração que seja estruturada. E, essa oração estruturada exige de mim uma disciplina, exige o estabelecimento de uma rotina que crie um tempo de oração. Socorre-me, Senhor, para que eu tenha forças para criar esse tempo, um tempo em que eu possa rezar o Pai Nosso ou a Ave Maria, o terço, ou, silenciosamente, meditar sobre um determinado trecho do Evangelho, ou, ainda, permanecer simplesmente em silêncio contigo por alguns minutos, um silêncio de entrega.
O mistério da oração conjugal
Ao incluir meu matrimônio na minha oração, Senhor, dou-me conta de que Niki e eu não vivemos uma união meramente natural entre um homem e uma mulher. Vivemos um mistério que só se realiza plenamente em Ti. No início, esse elemento sobrenatural, presente no sacramento do matrimônio, esteve obscuro para mim. Só recentemente abriste os meus lábios para afirmar aquilo que, gentil e carinhosamente, murmuravas no meu coração desde o dia em que recebi de Ti a graça que a Niki é: “Senhor, eu gostaria muito de ser para a minha mulher, uma superfície transparente, ativa, que permita que Tua luz e Tua presença brilhem para ela para todo o sempre.” Só agora entendo que é aí que reside a essência sacramental do casamento. O casamento não se dá só entre o homem e a mulher. O casamento acontece a três. Homem e mulher se dão a Ti para que Tu os transformes em pura entrega, um para o outro e, ambos, para Deus Pai no Espírito Santo.

Que eu não esqueça, meu Deus, que a atitude de oração no matrimônio é uma responsabilidade dos dois cônjuges. Que eu não esqueça que quando deixo de rezar roubo da minha mulher uma parte da vida e da atitude de oração que é dela, pela promessa que fiz a ela e a Ti. Dá a nós dois força para que sempre e constantemente chamemos um e outro à atitude de oração. Sei por experiência, iluminada pela tua Luz, que ainda que um de nós não queira rezar, a mera disposição do outro para a oração acaba nos unindo em oração. Embora um de nós não esteja disposto a usar as palavras de um Pai Nosso ou de uma Ave Maria, o fato de que desde o início da nossa união quisemos (consciente ou inconscientemente) ser um sinal da Tua presença viva, Jesus, na vida um do outro, acaba, pela misericórdia do Pai, criando no matrimônio a atitude de serviço e de obediência a Ti, típica da vida de oração. De qualquer forma, sei como é importante que a gente estabeleça, como casal, um tempo para rezar juntos. Quantas vezes me visitaste durante um terço rezado com a Niki antes de dormir! Quantas vezes tocaste o coração dos meus filhos e amigos que através da prece de agradecimento pelo alimento que colocaste à nossa mesa...
Filhos e oração

Ah! Os filhos, Senhor! Quão grande é nossa responsabilidade como casal de conduzir os filhos para aquela atitude de obediência e de serviço a Deus, de trazer os filhos para um espaço de oração e para um tempo de oração dentro do casamento. Só Tu, através de nós, meu Deus, podes ensinar a nossos filhos, Teus filhos, que para Te adorar tens que ser o ponto central da vida deles, e não eles mesmos, suas “vontades”, seus “sentir-se bem”.
Sacramentos e oração

Se há uma infinita distância entre Tu e nós, Senhor, a essa infinita distância corresponde o infinito amor com que Te dispões e queres encurtar essa distância vindo ao nosso encontro. Esvazia-te completamente para nós, meu Jesus querido, nos sacramentos que instituíste. Como recusar que venhas a mim na confissão e na eucaristia? Diante da Tua infindável misericórdia prostro-me em agradecimento e adoração.
Ao entregar meus filhos, minha esposa, meus amigos, conhecidos e desconhecidos em tuas mãos quando rezo, quando confesso, quando comungo deixa-me que Te diga apenas: “Senhor, seja feita a Tua vontade na minha vida que, neste momento, Te devolvo; que todas as pessoas que a tocaram e foram por ela tocadas possam se unir na mesma atitude de obediência e serviço que aspiro Te oferecer agora e para sempre.”
Bati à porta em oração

Uma vez disseste, Jesus: “batei e vos será aberto, pedi e recebereis”. Não me foi fácil descobrir que quando bati, recebi, sim, tudo aquilo que precisava, embora não necessariamente da forma como eu imaginava receber. Perdi a conta de quantos pedidos foram distorcidos pelo meu “eu”, pelo meu egoísmo. Hoje sei, entretanto, que o germe de boa vontade que residia em muitos desses pedidos fez com que Tu, meu Deus, os atendesse. Mas, ao mesmo tempo em que os atendias, ias destruindo, queimando, eliminando, purgando os resquícios de egoísmo, de vaidade que os manchavam.
Sentir-se bem em oração

Admito finalmente, Senhor, que o que queres para mim é sempre melhor do que o que eu quero. Prepara-me para receber aquilo que é melhor para mim, ainda que do ponto de vista das minhas emoções, do ponto de vista do meu intelecto, dos meus instintos, das minhas paixões, o que é melhor para mim seja algo completamente contrário à minha vontade. Pode até ser algo que me dê dor, que me dê sofrimento ou que não me faça “sentir bem”, mas será sempre algo infinitamente melhor porque me aproxima de Ti, porque permite que Tu te aproximes de mim.
Não aspiro ter consciência das transformações que operas em mim, Senhor. Não posso partir de mim mesmo em direção a Ti. Para chegar a Ti não posso começar por mim. Tenho que começar em Ti. Não sou eu, afinal, que caminho em direção a Ti. És Tu quem caminha em direção a mim.
Quantas vezes Te agradeci, meu Deus, por algo que achei que me tinhas dado.  Porque uma circunstância da minha vida mudou de acordo com minhas expectativas, Te agradeci. Quero agora agradecer a certeza que me deste de que Tua presença é uma presença real na minha vida. De que me encontraste. De que sei que existes, que estás comigo, que sofres comigo, que tens um plano para mim, ainda que eu não o conheça. Sei disso pela graça da fé. E, essa é uma graça tão extraordinária que meu agradecimento mais fundamental deveria ser este: “Senhor, obrigado por permitires, apesar das minhas limitações e das dificuldades que eu mesmo crio, que Tua Vida corra em mim, que Tua vida seja minha, que Tua Vida me impulsione, me anime, embora eu não o sinta. Senhor, obrigado por estares em mim. Obrigado por me tomares para Ti.”
Obrigado Senhor

Obrigado, Senhor, por estares sempre disposto a aceitar minha entrega, essa entrega tão pobre, tão miserável. Como eu Te agradeço Senhor, por aceitares essa minha entrega tão precária e tão destituída de qualquer valor!
Que meus pedidos se resumam sempre, ó Deus misericordioso, no pedido de poder estar a Teu serviço para os outros. Sei que quanto mais eu peço que me dês forças para fazer da minha vida uma dádiva para os outros, mais receberei de Ti a graça de Tua presença em mim.

Meditação baseada em Karl Rahner (“Encounters with Silence”) e Adrienne Von Speyr (“Prayer")

2 comentários:

  1. Caro Bira,
    é a primeira vez que entro em seu blog, atiçado por uma reportagem que o mencionava. Imaginava encontrar reflexões políticas e, em vez, me deparo com esses textos belíssimos, que dialogam com minha alma e me dão respostas à perguntas íntimas que nem bem tinha formulado. Quero que saibas que à minha admiração pela sua formidável competência e seriedade como homem público soma-se agora um fraterno sentimento de afeição por encontrar em você um buscador sincero da verdade cristã. Com sincera estima, Iuri Grechi - jornalista

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  2. Bira e seus leitores.
    Para falar com Deus - http://www.hablarcondios.com/pt/meditacaodiaria.asp

    Aproveito para dizer que tudo o que compreende a vida do homem e da mulher pode e deve ser convertido em oração. Do despertar ao adormecer temos diversar oportunidades de oferecer ao Senhor nossas orações "do nascer ao pô do sol, um sacrifício perfeito" dentro das nossas limitações.
    O trabalho e as circunstâncias do dia-a-dia são ocasião de encontro com Deus, de serviço aos outros e de melhora da sociedade.

    Com carinho,

    João

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