terça-feira, 20 de setembro de 2011

Mas será o Benedito? Porque a Ética é fundamental...

Depois dum período de engajamentos político-ideológicos, seguido por uma temporada de preocupações apenas com o puramente privado, a cultura ocidental contemporânea voltou-se recentemente para a “arte de viver” e para o estudo dessa arte. Revistas, jornais e outros veículos de comunicação de massa publicam anúncios e artigos que vendem “estilos de vida”.

Conselheiros sentimentais, pseudopsicólogos e uma gama de outros fornecedores de “conselhos” oferecem diferentes receitas de “felicidade” às  pessoas. Toda essa atividade reflete uma preocupação dos indivíduos com si mesmos e contrasta com a visão ética do mundo que insiste em afirmar que “o homem bom pensa em si mesmo por último”.

A Ética como doutrina da arte de viver

Ética, para os clássicos, era nada mais do que a doutrina da arte de viver. Ética, como disciplina filosófica, foi fundada por Aristóteles. A palavra “ética” é a forma adjetivada de ethos. Ethos significa tanto o lugar usual onde alguém vive como significa convenção, costumes e hábitos. Quando, pois, fala-se duma teoria ética faz-se referência ao espaço existencial (o onde vive) da pessoa e ao estudo de costumes e hábitos próprios desse espaço (o como vive).

Costumes e hábitos podem ser considerados de duas maneiras. A primeira, investigativa, no sentido que a palavra investigar possui nas ciências físicas ou naturais. Aqui, busca-se investigar e compreender o costume e os hábitos dum certo lugar ou dum certo povo ou comunidade. A isto se chama “ethologia”: o estudo do comportamento, no sentido assumido pelas ciências comportamentais. Estudos de comportamento são normalmente associados à biologia, (graças ao vencedor do prêmio Nobel, Konrad Lorenz), à psicologia, à sociologia e à antropologia cultural.

A segunda maneira de se considerar “costumes” e “hábitos” é normativa. Nesse contexto, as questões relevantes são: quais os costume e hábitos que são certos, direitos, bons? Como devemos agir, o que podemos fazer e o que não podemos fazer? Essa é a abordagem da Ética.

No sentido normativo, Ética é não só a ciência dos bons costumes e dos bons hábitos mas também o próprio bom costume e bom hábito. O adjetivo “moral”, que tomamos emprestado do Latim, também tem esse mesmo duplo sentido. “Moral” é não só a ciência dos bons costumes e dos bons hábitos mas também o próprio bom costume e bom hábito. Falamos, por exemplo, da “moral” duma equipe, ou da “moral das tropas”. (Hoje, entretanto, o uso das palavras “moral” e “imoral” tem se restringido mais ao terreno do sexual).

Disciplinar o “inflado e incansável ego”

No sentido normativo, Ética está associada à tarefa de explorar os meios pelos quais disciplina-se o “inflado e incansável ego” de cada um, de forma que se possa adquirir e colocar em prática (viver) certas virtudes.

Uma ética que tenha como foco a virtude, em vez do dever, faz da visão o centro da vida moral. Tal ética afirma que o modo como descreve-se os dilemas morais e define-se as obrigações depende de como se vê o mundo. Mais ainda, tal ética sustenta que ação brota da visão e que visão depende de caráter, isto é, da pessoa que se é. Portanto, disciplinas e práticas que moldam a pessoa que se é – como, por exemplo, as disciplinas religiosas da oração e confissão – são importantes na formação duma ética da virtude. O caráter condiciona a visão de mundo e impacta sobre tudo o que se faz.

Há verdades que só podem ser vistas pelo ego disciplinado que informa um bom caráter. O desenvolvimento do caráter é, pois, importante para a ética da virtude. E, o desenvolvimento do caráter é possível através duma educação moral. A educação moral é o processo através do qual o “inflado e incansável ego” adquire o hábito da virtude.

As teorias e práticas de educação moral contemporâneas tentam moldar o “ser” (quem se é lá no íntimo) através do“fazer”. Esse tipo de educação moral quer moldar o ego através dum processo disciplinar que conduza à aquisição de certos hábitos comportamentais: “virtudes”. Nesse contexto, a posse de “virtudes” é sinônimo duma vida bem realizada, dum “fazer” bem feito, duma realização bem sucedida de “si mesmo”.

A virtude do fazer se choca com a graça de ser perdoado

Tal approach é incompatível com a visão do mundo que tem como centro um Deus crucificado: que tem, não na autorrealização, mas no autossacrifício o seu tema central. Mais ainda, a noção de caráter, como resultado do exercício habitual de  habilidades que se possa adquirir por esforço próprio, pelo próprio “fazer”, choca-se com a ênfase Cristã na “graça”. Graça é a resposta gratuita e livre de Deus à necessidade que o pecador tem de ser constantemente  perdoado. Por esforço próprio, o pecador não “adquire” a “graça”.

Nova versão de uma vida virtuosa

Em toda a volta, hoje, há sinais de interesse numa teoria das virtudes e, até mesmo, em ser virtuoso. Embora Alasdair MacIntyre, no seu livro Depois da Virtude, sugira que esse interesse está fadado ao fracasso no tipo de cultura em que se vive, ele espera, contudo, que do caos moral e da degeneração que assolam esses tempos possa surgir uma nova versão da vida virtuosa. Para ele, isto surgirá do esforço daqueles que plasmarão uma vida social na qual a virtude terá um sentido genuíno.

Comparando o atual momento histórico com o período de decadência do Império Romano e o início da Idade das Trevas, MacIntyre diz:

“O ponto crucial naquele período histórico ocorreu quando homens e mulheres de boa vontade abandonaram a tarefa de preservar o Império Romano e deixaram de identificar a continuação da civilidade e da comunidade moral com a manutenção do Império.”

Esses homens e mulheres tentaram, isto sim, plasmar novas formas de vida humana associada, de vida comum. Formas nas quais as virtudes pudessem ser vividas, mantidas e inculcadas. A esperança do autor é que se possa estar vivendo um momento semelhante:

“O que interessa neste estágio é a construção de formas locais de comunidade nas quais civilidade e a vida moral e intelectual possam ser sustentadas através da nova idade das trevas em que já vivemos… Estamos esperando não por Godot, mas por um outro – ainda que muito diferente – São Benedito.”

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