quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Deus disse "não"

Traduzi e compartilho:
Pedi a Deus que me livrasse dos maus hábitos.
Deus disse: Não.
Não compete a Mim livrar-te deles mas a ti abandoná-los.

Pedi a Deus que me concedesse paciência.
Deus disse: Não.
Paciência é resultado de tribulações;
ela não é concedida, ela se aprende.

Pedi a Deus que me desse felicidade.
Deus disse: Não.
Dou-te graças;
Felicidade compete a ti.

Pedi a Deus que me poupasse sofrimentos.
Deus disse: Não.
Sofrimentos te distanciam dos cuidados do mundo
e te trazem para perto de mim.

Pedi a Deus que fizesse meu espírito crescer.
Deus disse: Não.
Deves crescer por ti mesmo,
mas eu te podarei para te tornar mais frutífero.

Pedi a Deus por todas as coisas que eu pudesse usufruir na vida.
Deus disse: Não.
Dou-te a vida,
para que possas usufruir de todas as coisas.


Pedi a Deus que me ajudasse a AMAR os outros,
tanto quanto Ele me ama.
Deus disse... Ahhhh...
Finalmente entendeste...

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Cada um que passa


Cada um que passa em nossa vida passa sozinho,
Pois cada pessoa é única e nenhuma substitui outra,
Cada um que passa em nossa vida passa sozinho,
Mas não vai sozinho, nem nos deixa sós;
Leva um pouquinho de nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo;
Há os que levam muito, mas não há os que não levam nada;
Há os que não deixam muito, mas não há os que não deixam nada.                                  

Saint Exupery

Entrevista com Deus

Sonhei que tive uma entrevista com Deus.

- “Então, gostarias de me entrevistar?”, Deus perguntou.

- “Se o Senhor tiver tempo...”, eu disse.

Deus sorriu.

- “Meu tempo é a eternidade. Quais as perguntas que desejas me fazer?”

- “O que mais surprende o Senhor nos homens?”

Deus respondeu:

- “Que eles se aborreçam na infância, apressem-se a crescer e, aí, anseiem por ser criança outra vez.”

- “Que eles percam sua saúde para ganhar dinheiro e, depois, percam seu dinheiro para restaurar sua saúde.”

- “Que por pensarem ansiosamente sobre o futuro, esqueçam do presente e terminem por viver nem no presente nem no futuro.”

- “Que eles vivam como se nunca fossem morrer e morram como se nunca tivessem vivido.”

Deus tomou minha mão na Sua e ficamos em silêncio por algum tempo.

Então perguntei:

- “Como Pai, quais são as lições que o Senhor gostaria que seus filhos aprendessem com a vida?”

- “Aprender que eles não podem obrigar ninguém a amá-los. Tudo que podem fazer é se deixarem amar.”

- “Aprender que não é bom compararem-se com outros. Cada um é único diante de mim.”

- “Aprender a perdoar praticando o perdão.”
- “Aprender que alguns segundos bastam para abrir uma profunda ferida naqueles que eles amam e que, às vezes, muitos anos são necessários para que elas cicatrizem.”

- “Aprender que rico não é aquele que mais tem, mas aquele que menos precisa.”

- “Aprender que duas pessoas podem olhar para a mesma coisa e vê-la diferentemente.”

- “Aprender que não basta que eles perdoem uns aos outros, mas que também tem que perdoar a si mesmos quando Eu os perdoo.”

- “Obrigado pelo Seu tempo”, eu disse, humildemente.

­- “Há algo mais que o Senhor gostaria que seus filhos soubessem?”

Deus sorriu e disse:

- “Que eles saibam que Eu estou aqui...sempre.”

Democracia personalista, baseada na dependência dos outros, é talvez a última alternativa possível

Democracia não é um bem em si mesmo. Seu valor é instrumental e depende da visão a que serve. Não há democracia pura e simples. Todas as "democracias" estão a serviço dum certo conjunto de valores, mesmo aquelas que dizem estar a serviço apenas dos “direitos humanos”. Por trás da expressão "direitos humanos"  há um conjunto de valores sintetizado no ideal de liberdade e igualdade para todas as pessoas.

Uma “democracia para as pessoas” parte do pressuposto de que todas as pessoas foram criadas por Deus à Sua imagem. Portanto, todas são iguais, sejam elas velhas ou moças, doentes ou sãs, produtivas ou dependentes da ajuda de outrem. A prioridade neste tipo de democracia não é a economia ou "progresso" futuro, mas o bem estar das pessoas aqui e agora. O indivíduo não está subordinado a um “projeto” de construção duma coletividade perfeita, logo “ali” numa esquina futura da história, nem aos interesses de alguma "classe" social.

Hoje, "democracia liberal" é sinônimo de "democracia secular".
Qual a visão moral que a democracia secular pretende servir?
Como disse João Paulo II, "o valor da democracia  se mantém ou se destrói dependendo dos valores que ela encarna e promove".

Uma tentativa de fugir a essa verdade é,  às vezes, feita através da proposta de distinguir uma democracia "processual" duma democracia "normativa". A proposta da democracia processual é minimalista: a democracia deveria ser apenas um mecanismo de regulação, sobre bases empíricas, de interesses diversos. Neste contexto, democracia só pode ser o que é hoje: uma constante série de "avanços" contra tabus sociais e conquistas materiais em direção a uma absoluta autonomia individual só atingida – e assim mesmo de forma relativa – por alguns poucos privilegiados.

Uma democracia normativa é aquela fundada na dignidade transcendental da pessoa humana. "Transcendência" significa aqui dependência em outros que não eu e dependência de Deus. Refundar a democracia com base na dependência dos outros, e na necessidade de se dar aos outros, é o que convém chamar de democracia personalista. O personalismo democrático talvez seja a última alternativa possível à democracia secular da cultura ocidental.

Fora da cultura ocidental há outras possibilidades. As "repúblicas" islâmicas são uma dessas possibilidades, análogas ao que foi o comunismo para o Século XX. Elas atraem aqueles que estão alienados ou amargurados, bem como aqueles que buscam ordem e justiça.

No Brasil, vivemos a pseudodemocracia dum Estado formalmente “de direito”, mas substancialmente arbitrário e ditatorial que domina e controla a sociedade, privando as pessoas duma autêntica e real cidadania, dum “espaço” seguro de realização existencial.

O personalismo democrático não busca o poder para transformar o mundo. Mas, sim, busca resgatar a esperança para todos duma ordem mais justa e verdadeira, em que cada pessoa tenha "espaço" suficiente para crescer como pessoa e seja respeitada na sua dignidade intrínseca. Não se persegue essa alternativa democrática apenas por ativismo político. Ou seja, pela maneira convencional de se “fazer política”. Ela é perseguida como missão de serviço. Uma missão atenta à maneira como as pessoas veem seu dia-a-dia. Uma missão que aceita e reflete a realidade das pessoas.

domingo, 14 de agosto de 2011

Sobre paternidade responsável


O amor conjugal cristão é chamado a refletir, em todos os seus aspectos, inclusive no da união sexual dos cônjuges, a disponibilidade para gerar nova vida. Essa ligação essencial entre amor e fecundidade se manifesta com clareza no fato da união sexual, pela sua própria constituição, estar aberta à possibilidade da geração duma nova vida. Há uma interpenetração entre o ato sexual e a abertura para a vida.

No ser humano, entretanto, o vínculo entre o amor e a fecundidade está sob a tutela da liberdade humana, do livre arbítrio. Para os animais, a reprodução acontece sob o comando do impulso cego do instinto. Para nós homens, ao contrário, a disponibilidade para sermos canais transmissores de vida depende duma decisão: a de querermos ou não. Para o homem e para a mulher, a vida que Deus poderá criar  através deles não depende dum impulso de desejo ou do instinto, embora desejo e instinto façam parte da nossa natureza humana.

Por isto, a maternidade e a paternidade humana são sempre “responsáveis”. Somos “responsáveis” pelas nossa decisões. “Respondemos” afirmativa ou negativamente pelos nossos atos à vontade de Deus. Somos por Êle chamados, como esposos, a procriar, isto é, a nos constituir em co-operadores do amor de Deus criador, bem como testemunhas deste amor.

Nós, católicos, não somos obrigados a ter o maior número de filhos que a biologia permita, como muitos pensam.  Somos todos convidados à uma fecundidade generosa, mas responsável. Uma fecundidade que leve em conta as circunstâncias objetivas do casal: emocionais, físicas, econômicas e socioculturais.

Hoje em dia, porém, é muito difícil avaliar essas que chamei de “circunstâncias objetivas”. A cultura moderna argumenta que para a própria felicidade e a dos filhos que terão, os cônjuges devem primeiro dispor dum longo tempo para serem felizes a dois, para assegurarem a renda familiar e estabelecerem em bases sólidas o conforto doméstico. Só depois, é que eles devem pensar em filhos. Nos nossos tempos, os primeiros anos dum casal são marcados não pelo signo da paternidade responsável mas pelo da esterilidade sistemática, infelizmente.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Lógica lusitana

Português é muito lógico. Nós, brasileiros, é que somos impressionistas.

O cara para na sinaleira ao lado do caminhão, em Lisboa, e pergunta:
_ Sabes onde ficar a rua tal?
_ Sim, sei.
E vai embora.

O português está indo do Rio para Lisboa. Manda telegrama para sua mãe.
_ Atrasei-me e perdi o avião saio amanhã no mesmo horário.
A mãe responde:
_ Filho não faça isso ou vais perder o avião de novo.

Niki sai do banco em Lisboa, na companhia de uma amiga, e quer saber do guarda:
_ Que horas abre o banco?
_ Ora pois, não vês que está aberto?

(Em conversa de homem)
_ Gostas de mulher com muito seio?
_ Olha, pois, que pra mim com dois já tá bom.

Ideias chave: Minorias Criativas


O sentimentalismo que prevalece no nosso país faz com que a sociedade brasileira se torne presa fácil daqueles que tem o poder de oferecer às pessoas algum tipo de gratificação “sentimental”. Como dar voz aos valores verdadeiros únicos capazes de sustentar a vida comunitária e social, em vez dos consolos sentimentais transitórios buscados pelos indivíduos?


Isto não pode ser feito de cima para baixo. Isto só pode ser feito por minorias criativas em comunidades locais. Por isto, as comunidades locais precisam ser valorizadas pela sociedade como um todo. Essas minorias em autênticas comunidades locais oferecem o testemunho dum modelo de vida que, pouco a pouco, aponta para uma existência diferente, para uma maneira diferente de viver e de ver as coisas.


Há entre as pessoas vítimas do secularismo aquelas que buscam o que é verdadeiro, o que é bom e justo. Essas pessoas sofrem com a mentira e a corrupção institucional que se instalou no nosso país. Os homens e mulheres de bem estão acabrunhados pela falta de comprometimento com a verdade que grassa no Brasil. Eles querem dar um testemunho de que é possível resgatar a honestidade, a fé, os valores tradicionais que pautavam a vida familiar, a vida no bairro, a vida entre conhecidos e desconhecidos. Para tanto, precisam ser desafogados do peso político, econômico e cultural que lhes foi imposto pela ingerência desmedida do Estado na vida de cada um.

Ideias chave: Secularismo e Sentimentalismo


O secularismo é uma forma de ver as coisas que nega validade à moral e à religião, especialmente para as posições da fé Cristã no que diz respeito à necessidade de resgatar a experiência de vida comunitária. O secularismo exclui o Cristianismo e seus valores da vida pública. Esta exclusão acontece através duma rotulação cultural: toda e qualquer dimensão de fé e moral é rotulada como subjetiva e que só tem a ver com os sentimentos das pessoas.


Os sentimentos são parte integrante da nossa condição humana. Mas, o sentimentalismo é uma doença. O sentimentalismo leva a uma forma de vida em que o “sentir-se bem” é perseguido a qualquer preço. O “sentir-se bem” se torna a razão de ser das pessoas, o seu objetivo de vida. Nossa “razão” passa a ser escrava das nossas paixões, das nossas vontades e caprichos: ela serve apenas para indicar os meios mais eficientes para atender os ditames das nossas paixões e vontades.

Ideias chave: Direito e Dever

Todas as pessoas buscam a paz como a realização da sua natureza comunitária, da sua dependência uns nos outros. O Estado precisa reconhecer esse anseio e buscar satisfazê-lo garantindo aos indivíduos direitos legais.

Entretanto, direitos por si só não promovem a paz entre as pessoas. Eles criam um constante conflito entre diferentes interpretações daquilo que considero meu e do que a outra pessoa considera seu.

O reconhecimento de quem eu sou e da minha situação no mundo é ganho pela conduta ética e pela disciplina pessoal que permite a superação das minhas limitações tanto naturais como autoimpostas. Tal reconhecimento não é um presente outorgado por um Estado onipotente a indivíduos impotentes.

As pessoas só realizam seu potencial agindo. É por meio das nossas ações, e do sacrifício do nosso “ego” que elas muitas vezes exigem, que damos dignidade às nossas vidas. A função do “estado” é criar as pré-condições para que as pessoas possam ter respeito próprio. O Estado não pode satisfazer nossa ânsia de realização pessoal. Só nossas ações, enquanto pautadas por um referencial ético, por um “dever” que não se dobra ao relativismo do “tudo posso desde que a sociedade aceite”, são a fonte do que é justo e verdadeiro.

Ideias chave: Leis

As leis do Estado são apenas uma forma de regulação normativa. Normas morais também vigoram na consciência das pessoas e no seio de grupos voluntários. Regulação moral não é uma questão técnica. A vida em comunidade e em sociedade objetiva possibilitar que as pessoas persigam o que é bom para todas, e não apenas o que é bom para este ou aquele indivíduo. 

A justiça é mais do que uma forma de impor uma ordem legal a instituições e relações humanas. A justiça tem uma dimensão pessoal. Cada um de nós precisa do outro para nossa realização como pessoas. A relação entre o indivíduo e a sociedade é uma relação de reciprocidade. As pessoas têm obrigações para com a sociedade e para com elas mesmas. Reciprocidade é um componente essencial das relações humanas.

Crianças compensam seus pais se tornando adultos responsáveis. Estudantes compensam seus professores aprendendo. Homens de negócios compensam uns aos outros através de investimentos recíprocos e da criação de riquezas. Os membros de uma comunidade compensam a comunidade que os nutriu mantendo e melhorando as instituições que tornaram possível sua vida naquela comunidade, bem como mostrando sua preocupação e cuidados para com outros.

As pessoas compensam um justo regime de governo obedecendo às leis, participando de atividades cívicas, como votar, concorrendo a cargos públicos, pagando impostos e fazendo o serviço militar.

Ideias chave: A relação entre o “estado” e a sociedade civil


Tal como o Estado, a sociedade civil também sofre de diferentes males. Assim como o Estado pode oprimir seus cidadãos, pais podem abusar dos seus filhos, empregadores podem explorar seus empregados, empresas podem fraudar consumidores. Dadas suas inevitáveis imperfeições, Estado e sociedade existem num plano de relativa igualdade. A relação entre Estado e sociedade civil não é hierárquica. Infelizmente, no Brasil, esta relação é hierárquica: o “estado” engolfa a sociedade civil.

As instituições da sociedade civil que o “estado” deve respeitar são anteriores e independente do Estado. Laços familiares, convicções religiosas e relações de trabalho são áreas nas quais as ações espontâneas das pessoas são as mais adequadas à descoberta de um sentido para sua vida quotidiana. O “estado” tem a obrigação de apoiar as diferentes comunidades e instituições da sociedade civil. O “estado” só deve intervir quando abusos numa instituição subsidiária violem as normas morais que informam o exercício da responsabilidade individual, da liberdade e do autogoverno. 

Assim como o “estado” não pode prevenir todos os males, também não pode impor comportamentos éticos. Mas, pode contribuir para o equilíbrio moral das pessoas e das comunidades. O “estado” regula melhor quando garante legitimidade às comunidades que existem independentemente do Estado. A família, a propriedade privada, as comunidades religiosas, as relações contratuais, as associações profissionais, cada uma delas tem suas próprias normas constitutivas. Ao Estado cabe fortalecê-las.

Ideias chave: Subsidiariedade

O Estado raramente tem a sabedoria de distringuir quais são os seus próprios limites. Seus poderes precisam ser estritamente limitados pelo princípio da subsidiariedade. O princípio da subsidiariedade deveria estar na base de todas as leis para permitir que famílias, empresas e associações voluntárias se autorregulem.


O princípio da subsidiariedade afirma simplesmente que decisões locais são sempre preferíveis a decisões centralizadas. A delegação de poderes do governo central para os governos locais, por meio dum mandato constitucional que estabeleça no nosso país um autêntico federalismo é urgente. O equilíbrio entre os Poderes que constituem o governo central, uma estrita definição das competências da União e um Judiciário independente são essenciais para restringir o poder do Estado.

Os homens de bem do nosso país estão acabrunhados diante dum verdadeiro império do mal que se “adonou” do Brasil. O mal político e o mal pessoal não são erradicáveis. Mas, o mal pessoal é bem menos perigoso do que o mal armado pelo poder coercitivo de um “estado” centralizador e, por isto mesmo, autoritário.

Ideias chave: Segurança

O ideal quimérico duma sociedade sem coerção faz mais mal do que bem. O “estado” tem que reter suficiente poder para proteger as pessoas das ameaças externas e suprimir a violência e fraude entre elas. O poder de coerção do “estado” é, porém, intrinsecamente perigoso. Todo o poder que pode ser abusado será abusado. O objetivo precípuo dum “estado” bem estruturado é o de minimizar a coerção. Mas a possibilidade do uso de força é necessária para uma vida social pacífica.

Coerção numa sociedade é um mal necessário. Ela deve ser suficiente para manter a ordem pública, mas não pode ir além daquilo que é absolutamente necessário. Na medida do possível, o Estado deveria delegar para as diferentes comunidades que compõem a sociedade civil o poder de fazer valer a ordem que elas mesmas criarem.

Ideias chave: Justiça

Se a paz é o fim último da justiça, a justiça é a virtude primeira do Estado. Ela se aplica às relações entre estados, entre Estado e sociedade civil, entre as pessoas e as obrigações das pessoas para com elas mesmas. Dar a cada um o que é seu requer uma ordem política, social, cultural e econômica que enseje a realização do que há de melhor na condição humana. A paz é resultado do justo ordenamento das relações entre as pessoas e do respeito próprio que elas ganham quando percebem que podem realizar seu potencial.

Ideias chave: Regulamentação

A divisão do trabalho aumenta a produtividade, mas demanda mecanismos de troca tais como moeda corrente estável e legislação regulatória e contratual. Algum tipo de regulação governamental é necessário desde que seja para facilitar transações econômicas, preservar a propriedade privada e fazer cumprir obrigações contratuais.

Regulação excessiva da produção e trocas econômicas reduz a eficiência do trabalho e diminui a área de escolhas individuais. Na medida em que o governo permite que as pessoas troquem bens e serviços, bem como produzam o que elas achem necessário, mantendo um amplo espaço de liberdade para a constituição de novas empresas, para a consolidação da sociedade civil e para o fortalecimento das famílias, tanto o Estado como as pessoas se beneficiam.

Respostas locais para problemas particulares reduzem a necessidade de intervenções dum governo central e minimizam as consequências negativas que surgem na esteira duma intervenção.

Ideias chave: Natureza Comunitária do Trabalho

As atividades ditas “de mercado” requerem cooperação e especialização das pessoas. Temos a obrigação não apenas de trabalhar, mas também de trabalhar eficazmente com os outros. Ajuda mútua é compatível com o interesse próprio. As obrigações mútuas de qualquer comunidade adquirem forma concreta em instituições que estruturam e organizam o trabalho: empresas, instituições de caridade, ONGs, etc..

O aumento da produtividade resultante da divisão do trabalho em diferentes áreas de especialização é fundamental para a existência duma sociedade civil forte e altiva. O próprio estado depende do surplus (excedente) criado pela divisão do trabalho liderada por pessoas empreendedoras e implementada através de diferentes tipos de organização comunitária.

Contudo, sobre todo e qualquer tipo de “comunidades de trabalho” sempre recai uma hipoteca social. A empresa, por exemplo, é uma comunidade de trabalho. Para que a atividade empresarial seja legítima, a mobilização e organização dos recursos humanos e materiais (das comunidades que estão ao redor da empresa) lideradas pelo “empresário” e efetivadas através da empresa, deve ter como referência a solidariedade para com as pessoas que integram tais comunidades. Fique claro, porém, que para qualquer economia, local ou global, trabalho ineficiente é autoimposta escravidão. Trabalho desperdiçado é vandalismo.

Ideias chave: Trabalho

As pessoas só se realizam quando se sentem livres para empregar sua energia individual numa atividade produtiva e criativa. O trabalho, assim como o lazer, tem um valor para além da sua remuneração em dinheiro. O trabalho permite o pleno desenvolvimento da engenhosidade e das aspirações das pessoas.

O trabalho é um bem. Ele, no mínimo, salva-nos da ociosidade e do vício. O trabalho é um imperativo. Através dele modelamos a natureza às nossas necessidades. 

O trabalho não é menos criativo do que a pintura, a música ou a escultura. Mas, diferentemente delas, a condição humana nos impõe a necessidade do trabalho para que possamos continuar a viver. Reduzir o trabalho ao labor, (que é o mesmo que trabalho escravo), o lazer ao ócio é um crime contra a natureza humana. 

O resultado econômico do trabalho é essencial ao sustento das famílias, das localidades e do próprio “estado”. O trabalho cria as condições de manutenção das gerações futuras. A vida em família se torna possível pelo trabalho e este adquire significado quando é realizado pelo bem da família. Nada é mais importante para um pai e mãe de família do que os meios necessários para a educação e saúde dos seus filhos. A solidariedade familiar nos livra da prisão do egoísmo.

Ideias chave: Impostos

Só criaremos incentivos ao trabalho quando as pessoas se sentirem livres para guardar o fruto do seu trabalho. Impostos são um mal necessário. Mas, em geral, os indivíduos gastam seu dinheiro com muito mais prudência do que o governo. O governo deveria ser propriamente um árbitro que garantisse a integridade física, moral e patrimonial das pessoas, zelando por elas e assegurando que os contratos sejam cumpridos, as fraudes punidas e a violência contida, seja ela moral, cultural ou física. Criar e cobrar impostos é uma função menor de governo.

Ideias chave: Corrupção

Corrupção moral existe em qualquer grupo de pessoas e há um papel legítimo para a regulação governamental. Entretanto, é preciso lembrar que a política não é menos corrupta do que a economia e, com frequência, regulação e legislação acabam sendo uma “cura” pior do que a “doença”.

Os “donos” do poder de governo – os que “conquistaram” o “estado” – não são mais “puros” que os homens de negócio, como todos nós estamos hoje vendo com muita clareza. A falência de negócios e empresas acontece com muito mais facilidade do que a deposição dos grupos que se revezam à testa do “estado” e que tem as rédeas do governo nas mãos.

A impunidade é o escudo de proteção dos grupos políticos, empresariais, sindicais e corporativistas que se aliam para manter privilégios e parcelas de poder. Nenhum deles se sente responsável pelo dinheiro que não é seu, por um povo que, no fundo, também não é seu. A riqueza gerada pelas pessoas que trabalham e empreendem é confiscada via uma monstruosa carga tributária e usada para pagar a próxima eleição, a próxima propina ou os próximos subsídios a empresas e empresários que sobrevivem das benesses estatais.

Ideias chave: Intervenção Legítima

Os seres humanos são diminuídos quando tratados como eternas crianças. Só numa economia, numa sociedade e num sistema político descentralizados as pessoas podem desenvolver plenamente suas capacidades como adultos e cumprir com a obrigação moral de cuidarem uns dos outros, especialmente das famílias, células-mãe das comunidades.

A intervenção governamental é sempre legítima quando se trata de prevenir dano à integridade física, moral e patrimonial das pessoas. Contudo, o mais importante delimitador do espaço de liberdade individual em qualquer sociedade bem ordenada precisa vir do coração e da mente das pessoas. Benevolência, caridade, compaixão não podem ser legisladas nem impostas. Embora o governo deva intervir em casos de abusos, a prevenção de abusos no exercício da liberdade individual vem primariamente do reconhecimento dos valores absolutos aos quais as pessoas aderem, e não de nenhuma legislação.

Ideias chave: Povo


A riqueza duma nação é seu povo. O povo é a comunidade política de um país. As capacidades, o caráter, a responsabilidade e a solidariedade dum povo são a verdadeira fonte de riqueza de um país. Tudo que impeça a iniciativa, responsabilidade e conquistas pessoais fere os indivíduos e empobrece a sociedade. Libertar as pessoas do peso do Estado sobre elas, sobre sua capacidade de produzir e criar é pré-condição da prosperidade material e espiritual. Governos não geram riqueza, mas podem evitar que a criação de riquezas seja obstruída por incentivos perversos.

Ideias chave: Legitimidade

Para que o “estado” permaneça viável, o crescimento econômico do país não é suficiente para legitimá-lo. As pessoas precisam acreditar que o “estado” serve, de fato, o interesse delas e de suas famílias independentemente dos altos e baixos da economia. As pessoas precisam acreditar que o regime político que tem o “estado” como instrumento de governo é o melhor para o futuro delas e de suas famílias. 

Governo exige esperança. 

As pessoas precisam acreditar que o “governo” sustenta, protege e torna possível a realização dos seus interesses; que o regime político garante a seus filhos e netos um espaço de crescimento individual que justifica os sacrifícios e suor de hoje; que a solidariedade é não só desejável, mas essencial. Todo o regime político que não aponte para um bem além do da sua preservação pura e simples é precário.

Ideias chave: Sociedade Civil

O fortalecimento da sociedade civil, composta por distintas comunidades, é inversamente proporcional ao poder de manipulação e cooptação do “estado”. Uma sociedade civil forte, onde as comunidades familiares, de bairros e vizinhança, empresas familiares, associações locais e instituições de caridade são vigorosas, leva o Estado a focar suas energias nos domínios que lhes são pertinentes: a proteção do povo e a facilitação dos esforços das comunidades locais.

O domínio do “estado” sobre seus cidadãos é um sinal de fraqueza e desconfiança na capacidade de autogoverno das pessoas. Quando o estado intervém em áreas extemporâneas à sua esfera própria de atividades, o bem que ele faz, faz muito mal, e o mal que ele inflige, inflige vigorosamente. Quando, porém, o Estado cria espaços e protege a iniciativa das pessoas, ele colhe benefícios substanciais à conta de recursos que lhe garantem os meios para a defesa da cidadania. Ironicamente, quando a “tigela de arroz” que o Maoismo garantia à população mais pobre foi eliminada, o povo da China passou a comer melhor…

Ideias chave: Grupos Oligárquicos

O principal cliente das “empresas” nacionais continua sendo até hoje o “estado”. Com exceção daquelas que conseguiram ser competitivas no mercado internacional e das que conseguiram ocupar com competência alguns nichos do mercado nacional, as outras dependem de “subsídios” que o “estado” outorga sob diferentes formas aos “amigos” dos “donos do poder”. Estes “amigos”, por sua vez, “financiam” os partidos políticos e seus candidatos. Os sindicatos, por outra parte, recebem recursos financeiros do Estado e se beneficiam do poder de coerção deste último especialmente através duma legislação desenhada para proteger interesses corporativistas.

Nosso povo internalizou esta dependência do Estado “pai-patrão” e só há pouco começamos a entrever o embrião duma sociedade verdadeiramente “civil” disposta a romper com o infantilismo criado por essa mesma dependência. O Estado é um instrumento de governo. Não compete ao Estado a criação de riquezas. Nem pode ele gerar um povo disposto a assumir a responsabilidade por sua própria vida.

Ideias chave: País

Infelizmente, o Brasil não nasceu como um país, mas como um “estado”. O Estado Português foi para aqui transplantado desde o início da ocupação territorial do nosso solo. As diferentes comunidades, que aqui se estabeleceram no decorrer do tempo, encontraram-se desde logo sob o poder coercitivo do Estado. Este precisou se expandir para poder cooptar uma população que crescia e que dele dependia, direta ou indiretamente.

A política no nosso país objetiva a conquista do Estado. Os diferentes grupos que se revezaram à testa do Estado Brasileiro nunca abandonaram a lógica da cooptação da sociedade pelo Estado.

Ideias chave: Economia

Um “estado” forte depende da vitalidade do povo. As pessoas empregam suas energias e tomam decisões individuais com base nas suas necessidades e compromissos locais. A economia antes de ser “global” é local. É dali que o “estado” tira os meios para se sustentar. Embora o “estado” possa estimular a iniciativa econômica removendo impedimentos ao empreendedorismo das pessoas, ele não pode prover a fagulha que acende o rastilho das atividades produtivas.

Antes da liberalização da economia chinesa, a China crescia pouco e carecia de inovações. A pobreza permanecia endêmica enquanto o Estado impunha um controle centralizado sobre qualquer decisão de negócios. Só depois que o processo decisório foi descentralizado, a China saltou para uma nova era de prosperidade e força.

Uma cultura de iniciativa e autossustentabilidade locais não pode se desenvolver num país como o nosso, onde o “estado” continua a ser o principal obstáculo ao crescimento e fortalecimento das atividades produtivas locais.

Ideias chave: Estado

O “estado” é uma abstração. Uma abstração incapaz de boa vontade e solidariedade para com ninguém, embora capaz de oprimir. Nós deveríamos nos dar por satisfeitos em buscar o objetivo alcançável de tornar o Estado um instrumento transparente e imparcial de governo. E é isto que o “estado” é: um instrumento de governo.

As pessoas não se sentem ligadas ao “estado”. Elas se sentem ligadas às suas localidades, às suas profissões, aos seus trabalhos, ao seu Deus. A ação deliberada e livre das pessoas em grupos comunitários é distinta das ações coercitivamente exigidas pelo Estado. A ação deliberada e livre das pessoas amplia nossa capacidade para a benevolência e serve melhor tanto os indivíduos como as comunidades. O Estado que se define como facilitador e protetor dos autênticos espaços comunitários começa a resgatar a verdadeira função de governo.

Ideias chave: Coerção e Persuasão

As fontes do poder do “Estado” são a coerção e a persuasão. Coerção depende da capacidade econômica da sociedade de gerar recursos que possam ser usados na criação de forças militares ou paramilitares. Gente e recursos são essenciais para tanto. Não há “estado” sem coerção.

Mas, num Estado ordenado para o respeito das liberdades individuais e das comunidades locais, a coerção é um recurso de última instância. A persuasão é mais importante. 

Contudo, o poder de persuasão deriva da legitimidade moral do Estado. E, a legitimidade moral do Estado deriva de suas ações concretas em defesa e preservação das pessoas e comunidades que compõem a sociedade. O uso da persuasão é sempre preferível na coordenação das condutas de pessoas livres, eis que respeita a dignidade humana e a autonomia dos indivíduos. As pessoas raramente estão dispostas a se sacrificar e mesmo morrer por instituições que elas creem serem moralmente ilegítimas ou corruptas. 

Persuasão torna possível a coerção legítima. Sem a capacidade de coagir perigosos indivíduos, nem a ordem política nem a legitimidade moral do Estado podem ser sustentadas. Contudo, se segurança é a primeira necessidade de governo, liberdade individual é essencial para a sustentação dum governo estável. Liberdade individual é pré-condição para a legitimidade moral do Estado, para o crescimento econômico e para a satisfação pessoal.

Ideias chave: Sociedade e Comunidades

As organizações voluntárias espontaneamente criadas pela iniciativa individual e pela necessidade social são instituições da sociedade civil. Elas medeiam a relação entre o indivíduo e o Estado. Matrimônio e família, vizinhança e comunidade, lar e local de trabalho, igreja e organizações de caridade possibilitam mais liberdade aos indivíduos e limitam a intrusão do Estado. É partir de sua inserção nessas e outras instituições da sociedade civil que as pessoas conseguem identificar e enfrentar seriamente os problemas do seu dia-a-dia, na medida em que eles aparecem.

Os sentimentos de boa vontade e solidariedade, que se encontram em todos os seres humanos bem formados, dirigem em grande parte as relações familiares e dali se estendem em anéis concêntricos para outras comunidades. Por exemplo, as virtudes da prudência, autodisciplina e disposição para sacrifícios pessoais integram o amor dos pais pelos seus filhos. Quando vividos autenticamente, esses valores “contaminam” positivamente outros grupos além do grupo familiar.

Ideias chave: Liberdade e seus riscos

O perigo duma visão que reduz nossa razão ao cálculo da melhor maneira de “levar vantagem” é o de: 1) expandir a esfera da liberdade de alguns e de diminuir a esfera de liberdade da maioria; 2) criar uma excessiva intrusão do Estado na vida privada que estrangule a expressão individual e que substitua o que é bom para as pessoas pela utopia do “bem” coletivo.

Todos nós vivemos a experiência das nossas imperfeições. Nossa humanidade é imperfeita. A ideia de que podemos criar uma comunidade perfeita, uma nação perfeita é um engodo. O bom senso nos diz para não esperar a perfeição nem dos indivíduos nem das comunidades. A alternativa prática é aceitar a tensão criativa entre as imperfeições das pessoas e as imperfeições dos estados e governos.

Ideias chave: Liberdade

Ser racional significa ser livre, livre de constrangimentos arbitrários que adulteram nossa identidade como pessoas. Liberdade envolve autonomia para irrestrita ação individual. Mas, autonomia requer que reconheçamos limites ao exercício da nossa liberdade, limites que naturalmente emergem da nossa condição de sermos comunitários, dependentes uns dos outros. Ambas, liberdade e autonomia, são necessárias para que cada pessoa desenvolva suas capacidades e habilidades. Como governantes ou governados somos todos chamados a aceitar nossa intrínseca obrigação de criar espaços para que cada pessoa possa realizar suas capacidades latentes e perseguir sua vocação.

Ideias chave: Razão

Por outro lado, não somos apenas comunitários, somos também racionais. Como tal, somos chamados a usar conscientemente nossa “razão”. Contudo, no nosso país e, talvez, na maioria dos outros países, a “razão” passou a ser entendida como escrava das nossas paixões, das nossa vontades e caprichos. Ela serve apenas para indicar os meios mais eficientes para atender os ditames das nossas paixões e vontades.

A razão humana, entretanto, é muito mais do que isto. Ela nos permite reconhecer tanto o valor intrínseco dos fins, como a utilidade prática dos meios. Ela nos diz por quais valores devemos lutar, quais os valores que respondem à nossa busca pelo sentido da vida. Nossas escolhas não deveriam ser ditadas por dogmas ideológicos ou religiosos, nem reduzidas a um mero “levar vantagem”.

Por isto, a política para mim exige o discernimento dos valores absolutos, inegociáveis, que nos distinguem como seres humanos, que nos fazem “pessoas” e não, simplesmente, indivíduos de uma espécie em busca de satisfações físicas ou emocionais.

Ideias chave: Comunidade

Os seres humanos são, antes de tudo, comunitários. Eles naturalmente formam famílias e comunidades sem esperar, para tanto, pela permissão do governante. A natureza comunitária dos seres humanos é anterior à política e anterior ao “estado”. Obrigações morais e valores absolutos naturalmente derivam dessa natureza comunitária dos seres humanos.

Ideias chave: Individualismo

Cada governo se baseia numa certa concepção da natureza humana. Isto é, o que as pessoas representam para quem governa. Governos sempre se propõem a atender as necessidades das pessoas. Se a concepção da natureza humana por trás dum governo for distorcida, o governo será no mínimo disfuncional. A prática política é ditada pela forma que o governante tem de olhar e se relacionar com as pessoas.

Hoje em dia, a natureza humana é vista como individualista, cheia de desejos ilimitados e de vontades caprichosas. Cada indivíduo quer que sua vontade seja a norma e, como tal, respeitada pelos outros indivíduos. Essa é uma visão distorcida da natureza humana. Recuso-me a aceitá-la.

Para filosofia de governo: "tornar possível o que é necessário", como em Max Weber

O que segue, apresentei ao Raimundo no ano passado como possível contribuição para  seu "discurso" de campanha e mapa de governo.


Ideias: um sumário do que penso sobre governo,
Estado, sociedade e comunidade

O “estado” como instrumento de poder sobre a sociedade é sinônimo de um regime oligárquico de governo em que diferentes grupos se revezam à testa do Estado buscando benefícios para si mesmos à custa da sociedade.

Político brasileiro tem vivido e experimentado na carne essa forma de fazer política. Mas, também pode viver a experiência de uma outra forma de fazer política. Prefeitos aprendem desde logo que o papel principal dum “chefe de governo” é estimular e respaldar as iniciativas comunitárias em qualquer área: cultural, social, política ou econômica. 

Aprendem que o valor econômico não é a mesma coisa que valor monetário. O componente principal do valor econômico é a dignidade do trabalho honesto que gera o bem ou o serviço que a comunidade precisa. Não é, certamente, o ganho monetário fácil fruto de especulações financeiras.

Aprendem que o valor cultural está contido na tradição e história das pessoas e regiões, na mesma maneira de ver o mundo e de expressá-lo, na sólida reafirmação do que é objetivamente “bom”, “justo” e “verdadeiro”.

Aprendem o verdadeiro valor social da família, da vizinhança e do bairro; espaços onde o convívio humano tem como referentes a amizade, a solidariedade, a compaixão e a alegria de servir.

Aprendem, finalmente, a diferença fundamental entre autoritarismo e autoridade. Autoritário é aquele que usa o poder em benefício próprio e, assim fazendo, gera medo e revolta. Autoridade é reconhecida naquele que, com muito poder, pouco poder ou mesmo sem poder algum, dedica-se a facilitar a vida das pessoas, a criar-lhes “espaços” vitais livres e dignos.

Política é missão de apoiar e liderar com autoridade – sem autoritarismo – não um “projeto”, por mais bem intencionado que ele possa ser, mas, sim, a pessoa de carne e osso que está ao lado, no aqui e agora do dia-a-dia.

Senadores costumam viver a dura realidade da outra “política”: a política do uso do poder do Estado em favor de interesses particulares; a política do arbítrio e autoritarismo daqueles que conquistaram o Estado. Essa política tem corroído povo e nação brasileiros.

O resultado do suor do trabalhador, do agricultor, do empresário, do funcionário é confiscado na “boca do caixa” por um mecanismo arrecadador desenhado para perpetuar o domínio de poucos sobre muitos.

Os valores morais antes apanágio da identidade “brasileira” – hospitalidade, calor humano, respeito à vida e à propriedade, consideração para com os mais velhos, honra à palavra dada, entre tantos outros valores absolutos – foram radicalmente relativizados.

A esperteza, a impunidade, o status ou fama, o dinheiro, o controle da informação, o poder, passaram a ser as unidades de valor em qualquer relacionamento, seja ele familiar, político, comercial ou social.

As comunidades que dão vida aos municípios e as que trabalham no campo estão sitiadas pela criminalidade e pela dissolução dos costumes, companheiras inseparáveis de qualquer forma de autoritarismo do Estado.

Quem vem de uma região e duma cultura onde a palavra “rendição” é nome feio, recusa-se a aceitar a atual prática política como legítima. Recusa a se render às demandas dum Estado instrumento do poder de grupelhos que se escondem atrás de legendas partidárias ou de discursos ideológicos.

Tem a pretensão política de resgatar o papel do “estado” como instrumento de um governo que respeite o princípio da subsidiariedade. Isto é, aquilo que as diferentes comunidades podem e querem fazer é competência dessas mesmas comunidades. A ação executiva do Estado deve ser transferida às comunidades locais.

A descentralização, iniciada pelo governador Luiz Henrique, precisa ser aprofundada. Ações de coordenação, integração e estímulo podem permanecer como competências de um governo estadual. Ações de execução e operação devem pertencer ao município.

Mas, mesmo essa descentralização municipalizada não basta como bandeira de resistência. 

A apropriação indébita das riquezas produzidas pela gente catarinense e sua transferência para a União precisa ser posta a nu e enfrentada. Não se deve assustar com expressões tais como “novo pacto federativo”. A crise que se instalou no mundo todo é uma crise política, antes de ser econômica. Ela abre as portas para uma resistência revolucionária ao “coronelismo” que castra a todos.

A queda do socialismo, uma das duas receitas ideológicas da Idade Moderna, deixou como vencedor (por WO) o capitalismo liberal. As duas receitas prometiam a mesma coisa: abundância material para todos. A primeira, concentrava toda a riqueza das nações na mão do “estado” para que este a redistribuísse. A segunda, confiava na “mão invisível” do mercado para acumular e redistribuir riquezas. Ao “estado” competia manter a paz e tranquilidade interna e externa, bem como regulamentar as relações de troca entre capital e trabalho e suas distintas consequências.

A tentativa de expandir o modelo capitalista-liberal do “Estado de Bem Estar Social” através da emissão desenfreada de papéis no mercado financeiro deu no que deu. Assiste-se precisamente ao fracasso não do mercado como um instrumento de alocação de recursos mas, sim:

1) ao fracasso da oligarquização do sistema político (o Estado usado por uns poucos como instrumento de dominação, ainda que sob o disfarce de democracia representativa) e

2) ao fracasso da oligarquização do sistema econômico (a concentração da riqueza em grandes grupos transnacionais a pretexto duma maior “eficiência” econômica).

Os reflexos políticos, sociais, culturais e econômicos deste fracasso atingirão inevitavelmente o País. O Brasil não escapará de uma progressiva deterioração econômica, importada dos demais países, nem deixará de ser impactado pelas mudanças políticas que já se fazem sentir nos Estados Unidos e Europa. 

No bojo do fim de uma Era, estão as raízes das alternativas. Entre estas raízes, a reapropriação da importância daquilo que é “local” começa a ser sentida. Ora, Santa Catarina é especialista no que é “local”. As diferentes comunidades e regiões se constituíram e sobreviveram pelas suas competências locais.

Entre estas raízes está também o resgate da história e dos valores que fazem a vida “local” ter sentido. As diferentes comunidades do Estado não esqueceram a experiência de vida pautada pelas virtudes cardeais da prudência, da justiça, da moderação e da coragem.

Há muitos anos atrás, o ex-governador dr. Antonio Carlos Konder Reis escolheu como mote de seu governo a frase: “governar é encurtar distâncias”. Ela é mais atual do que nunca. Governar é encurtar a distância entre o governante e os governados; é encurtar a distância entre a mera sobrevivência e a vida digna; é encurtar a distância entre opiniões divergentes; é, por fim, encurtar a distância entre todas as pessoas, independentemente de etnia, credo, status social, econômico ou cultural.

Esse é o governar a ser aspirado. Essa a política que honra. Essa a missão a liderar.

Como já dizia Max Weber, “a arte do possível consiste em tornar possível aquilo que é necessário”, e não simplesmente fazer aquilo que a política permite fazer num dado momento, normalmente à custa de onerosas concessões. 

Seguem 28 ideias chave.

A Fábula dos Porcos Assados

O texto original deste trabalho, em espanhol, circulou entre os alunos do curso de pós-graduação da Universidade de Piracicaba em 1981. A sutileza com que o autor satiriza um dos problemas de nossos tempos fez com que imediatamente o texto chamasse a atenção de alunos e professores, convertendo-se em tema de conversas e debates. Aos leitores, a Fábula dos Porcos Assados:


Uma das possíveis variações de uma velha história sobre a origem do assado é a seguinte: Certa vez, aconteceu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos, que foram assados pelo fogo. Os homens, acostumados a comer carne crua, experimentaram e acharam deliciosa a carne assada. A partir daí, toda vez que queriam comer porco assado, incendiavam um bosque... até que descobriram um novo método.

Mas o que quero contar é o que aconteceu quando tentaram mudar o SISTEMA para implantar um novo. Fazia tempo que as coisas não iam lá muito bem: às vezes os animais ficavam queimados demais ou parciamente crus. O processo preocupava muito a todos, porque se o SISTEMA falhava, as perdas ocasionadas eram muito grandes - milhões eram os que se alimentavam de carne assada e também milhões os que se ocupavam com a tarefa de assá-los. Portanto, o SISTEMA simplesmente não podia falhar. Mas, curiosamente, quando mais crescia a escala do processo, tanto mais parecia falhar e tanto maiores eram as perdas causadas.

Em razão das inúmeras deficiências, aumentavam as queixas. Já era um clamor geral a necessidade de reformar profundamente o SISTEMA. Congressos, seminários, conferências passaram a ser realizados anualmente para buscar uma solução. Mas parece que não acertavam o nelhoramento do mecanismo. Assim, no ano seguinte repetiam-se os congressos, seminários, conferências.

As causas do fracasso do SISTEMA, segundo os especialistas, eram atribuídas à indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deveriam, ou à inconstante natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou ainda às árvores, excesivamente verdes, ou à umidade da terra, ou ao serviço de informações meteorológicas, que não acertava o lugar, o momento e a quantidade das chuvas...

As causas eram, como se vê, difíceis de determinar - na verdade, o sistema para assar porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura: maquinário diversificado; indivíduos dedicados exclusivamente a acender o fogo - incendiadores que eram também especializados (incediadores da Zona Norte, da Zona Oeste, etc., incendiadores noturnos e diurnos - com especialização e matutino e vespertino - incendiador de verão, de inverno, etc.). Havia especialista também em ventos - os anemotécnicos. Havia um Diretor Geral de Assamento e Alimentação Assada, um Diretor de Técnicas Ígneas (com seu Conselho Geral de Assessores), um Administrador Geral de Reflorestamento, uma Comissão de Treinamento Profissional em Porcologia, um Instituto Superior de Cultura e Técnicas Alimentícias (ISCUTA) e o Bureau Orientador de Reforma Igneooperativas.

Havia sido projetada e encontrava-se em plena atividade a formação de bosques e selvas, de acordo com as mais recentes técnicas de implantação - utilizando-se regiões de baixa umidade e onde os ventos não soprariam mais que três horas seguidas.

Eram milhões de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo seriam incendiados. Havia espacialistas entrangeiros estudando a importação das melhores árvores e sementes, fogo mais potente, etc. Havia grandes instalações para manter os porcos antes do incêndio, além de mecanismos para deixá-los sair apenas no momento oportuno.

Foram formados professores especializados na construção dessas instalações. Pesquisadores trabalhavam para as universidades para que os professores especializados na construção das instalações para porcos; fundações apoiavam os pesquisadores que trabalhavam para as iniversidades que preparavem os professores especializados na cosntrução das instalações para porcos, etc.

As soluções que os congressos sugeriam eram, por exemplo, aplicar triangularmente o fogo depois de atingida determinada velocidade do vento, soltar os porcos 15 minutos antes que o incêndio médio da floresta atingisse 47 graus, posicionar ventiladores-gigantes em direção oposta à do vento, de forma a direcionar o fogo, etc. Não é preciso dizer que os poucos especialistas estavem de acordo entre si, e que cada um embasava suas idéias em dados e pesquisas específicos.

Um dia, um incendiador categoria AB/SODM-VCH (ou seja, um acendedor de bosques especializado em sudoeste diurno, matutino, com bacharelado em verão chuvoso), chamado João Bom-Senso, resolveu dizer que o problema era muito fácil de ser resolvido - bastava, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o animal, colocando-o então sobre uma armação metálica sobre brasas, até que o efeito do calor - e não as chamas - assasse a carne.

Tendo sido informado sobre as idéias do funcionário, o Diretor Geral de Assamento mandou chamá-lo ao seu gabinete, e depois de ouvi-lo pacientemente, disse-lhe:

_ Tudo o que o senhor disse está muito bem, mas não funciona na prática. O que o senhor faria, por exemplo, com os anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar a sua teoria? Onde seria empregado todo o conhecimento dos acendedores de diversas especialidades? 

_ Não sei - disse João. 

_ E os especialistas em sementes? Em árvores importadas? E os desenhistas de instalações para porcos, com suas máquinas purificadores automáticas de ar? 

_ Não sei. 

_ E os anemotécnicos que levaram anos especializando-se no exterior, e cuja formação custou tanto dinheiro ao país? Vou mandá-los limpar porquinhos? E os conferencistas e estudiosos, que ano após ano têm trabalhado no Programa de Reforma e Melhoramentos? Que faço com eles, se a sua solução resolver tudo? Heim? 

_ Não sei - repetiu João encabulado. 

_ O senhor percebe agora que a sua idéia não vem ao encontro daquilo de que necessitamos? O senhor não vê, que , se tudo fosse tão simples, nossos especialistas já teriam encontrado a solução há muito tempo atrás? O senhor com certeza compreende que eu não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e dizer-lhes que tudo se resume a utilizar brasinhas, sem chamas! O que o senhor espera que eu faça com os quilômetros e quilômetros de bosques já preparados, cujas árvores não dão frutos e nem têm folhas para dar sombra? Vamos, diga-me. 

_ Não sei, não senhor. 

_ Diga-me, nossos três engenheiros em Porcopirotecnia, o senhor não considera que sejam personalidades científicas do mais extraordinário valor? 

_ Sim, parece que sim. 

_ Pois então. O simples fato de possuirmos valiosos engenheiros em Porcopirotecnia indica que nossos sistema é muito bom. O que eu faria com indivíduos tão importantes para o país? 

_ Não sei. 

_ Viu? O senhor tem que trazer soluções para certos problemas específicos - por exemplo, como melhorar as anemotécnicas atualmente utilizadas, como obter mais rapidamente acendedores de Oeste (nossa maior carência), como contruir instalações para porcos com mais de sete andares. Temos que melhorar o sistema, e não transformá-lo radicalmente, o senhor, entende? Ao senhor, falta-lhe sensatez! 

_ Realmente, eu estou perplexo! - respondeu João. 

_ Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia dizendo por aí que pode resolver tudo. O problema é bem mais sério e complexo do que o senhor imagina. Agora, entre nós, devo recomendar-lhe que não insista nessa sua idéia - isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo. Não por mim, o senhor rntende. Eu falo isso para o seu próprio bem, porque eu o compreendo, entendo perfeitamente o seu posicionamento, mas o senhor sabe que pode encontrar outro superior menos compreensivo, não é mesmo? 

João Bom-Senso, coitado, não falou mais um "A". Sem despedir-se, meio atordoado, meio assustado com a sua sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu de fininho e ninguém nunca mais o viu. Por isso é que até hoje se diz, quando há reuniões de Reforma, Planejamento, Gestão, etc., que falta o Bom-Senso.